A influência africana no português
falado no Brasil
A
babá levou o caçula ao circo mambembe. O rapaz foi à praia de sunga e sua
namorada, de tanga. Ela é seu xodó. Um sacana tomou cachaça e fez o maior
bafafá. O capanga recebeu um jabaculê e o chefe ficou fulo, porque não gosta de
maracutaia. Mas ele não ficou borocoxô: preferiu cair no samba, sem se importar
com o zunzum.
O parágrafo aí de cima está escrito
em português do Brasil, compreensível à maioria da nossa população. Suas
palavras-chave – como babá, caçula, mambembe, tanga, xodó, sacana, cachaça etc.
– têm origem africana. Quase todas são faladas pelos milhões de escravos para
cá trazidos ao longo de quatro séculos.
A presença africana no português
falado no Brasil é mais importante do que às vezes nos damos conta. É resultado
da aculturação de inúmeros povos transplantados, falantes de vários idiomas,
vinculados a duas grandes famílias lingüísticas: o ioruba e o banto.
Durante 40 anos, a professora baiana
Yeda Pessoa de Castro, doutora em Línguas Africanas, estudou e pesquisou,
inclusive no Congo (ex-Zaire) e Nigéria, as relações culturais e lingüísticas
entre o Brasil e a África. Os resultados desses estudos estão no livro Falares
africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro, editado pela Academia Brasileira
de Letras e Editora Topbooks (2001). Trata-se de um trabalho de fôlego,
dividido basicamente em duas partes. A primeira discorre, em 129 páginas, com
grande erudição, sobre os povos e as línguas africanas, a matriz africana no
português do Brasil e os níveis socioculturais de linguagem, e interessa
sobretudo aos estudiosos e especialistas. A segunda parte, com 227 páginas, é um
vocabulário com mais de três mil palavras derivadas ou decalcadas das línguas
africanas e incorporadas ao falar dos quase 200 milhões de brasileiros. É
leitura útil e atraente para o público em geral.
Para a autora, esse processo de
miscigenação lingüística explica basicamente as peculiaridades do falar
brasileiro: “(...) as diferenças que separam o português falado no Brasil e em
Portugal são, a priori, o resultado
de um longo, progressivo e ininterrupto movimento explícito de aportuguesamento
dos africanismos e, em sentido inverso, de africanização do português sobre uma
base indígena preexistente no Brasil”.
Ler o seu Vocabulário é fazer
descobertas surpreendentes sobre palavras que freqüentam o nosso cotidiano,
além das citadas no início, como: bagunça, balangandã, batucada, bunda,
caçamba, canjica, catimba, forró (que nada tem a ver com o inglês “for all”, como andaram especulando),
lenga-lenga, mochila, molambo, quitanda ou quitute. E terminamos por ficar
sabendo que “a Tonga da mironga do cabuletê”, expressão universalizada em
música de Vinícius e Toquinho, quer dizer (na língua banto) “a força do
xingamento do malandro”.
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