Fósseis descobertos na Etiópia antecipam
o surgimento do homem moderno em 40000 anos.
O exame de características do DNA humano em laboratório
levou os cientistas a identificar o ancestral comum de todos os seres humanos
atuais. O chamado “Adão genético” seria um homem que viveu na África 200 000
anos atrás e cujas características genéticas se perpetuam até hoje em nosso
corpo. A pesquisa, realizada na década passada, tinha um problema: não havia
evidências físicas da existência desse ancestral. Com base nos fósseis
disponíveis, estimava-se que o homem moderno tivesse surgido 120 000 anos
atrás. Na semana passada, a teoria de Adão se tornou realidade com a exibição
de seu crânio. Na verdade, são três crânios fossilizados – dois de adulto e um
de criança. Trata-se dos mais antigos e mais bem preservados fósseis humanos já
descobertos. Foram encontrados em escavações na Etiópia, de onde já emergiam os
restos de outros hominídeos. O sensacional é que esses são anatomicamente como
nós e foram datados de 160 000 anos atrás.
Os dois homens e o garoto passariam despercebidos se
andassem pelas ruas de qualquer cidade brasileira. O crânio deles era um pouco
maior, o cérebro ligeiramente mais volumoso e o rosto mais comprido que os do
homem moderno. Os cientistas acreditam que tenham sido também mais altos e
corpulentos. “Pegue o homem mais forte de qualquer população robusta atual,
adicione alguns hormônios e teremos o idaltu.
Ele era realmente forte e grande”, disse o paleontólogo americano Tim White, da
Universidade da Califórnia e responsável pela descoberta, em entrevista ao
jornal inglês Daily Telegraph. As
características arcaicas fizeram com que os exemplares fossem catalogados como
sendo de uma subespécie do Homo sapiens
sapiens (homem moderno). Receberam o nome de Homo sapiens idaltu (o mais velho, na língua da região em que foram
descobertos). Até agora não se tinha descoberto fósseis intermediários entre os
pré-humanos e o homem moderno. Os crânios lançam luz sobre um dos mais
intrigantes enigmas da evolução: as circunstâncias e o momento em que surgiu
nossa espécie. Sobre esse período nebuloso, que se estende entre 100 000 e 300
000 anos atrás, sobram teorias e faltam provas. A contribuição mais importante
do Homo sapiens idaltu é reforçar a
concepção de que o homem surgiu na África e de lá partiu para a conquista de
outros continentes. A hipótese oposta, e menos aceita, é que a espécie humana
se desenvolveu simultaneamente em vários continentes. Pela primeira vez podemos
ver ancestrais diretos do homem – e eles são africanos.
A descoberta foi feita por uma equipe de que e
bem-sucedidos caçadores de fósseis em atividade. Os crânios foram encontrados
em 1997, num lugarejo chamado Herto, na região de Afar, que é um paraíso para
os paleantropólogos (especialistas em espécies ancestrais humanas). A região é
uma das mais quentes do planeta, a ponto de só ser habitada em parte do ano.
Mas a paisagem era mais acolhedora há 160 000 anos, com florestas e um grande
lago repleto de hipopótamos e crocodilos. Faltam aos exemplares encontrados os
maxilares inferiores, que não foram localizados, e o crânio do menino estava
estilhaçado em mais de 200 pedaços e foi cuidadosamente remontado pelos
pesquisadores. Recolheram ainda ossos de sete pessoas, mais de 600 artefatos de
pedra e ossos de hipopótamos e antílopes. Um sinal de que nossos antepassados
sabiam esquartejar animais de grande porte. Foram necessários mais de três anos
de testes somente para a datação e mais dois para a análise do material.
Os dois homens idaltus
deviam ter entre 20 e 30 anos na época da morte. A criança estaria com 6 ou
7 anos. Há indícios de que os crânios teriam sido separados do corpo, descarnados
com ferramentas de pedra e depois polidos. São detalhes que indicam um ritual
fúnebre. Crânios descarnados, guardados e venerados pelas famílias, e que acambam
polidos pelo manuseio, são comuns entre tribos da Nova Guiné. Os fósseis de
Herto sepultam de vez a discussão sobre nosso parentesco com o homem de
Neandertal, espécie que viveu na Europa e no Oriente Médio entre 150 000 e 30
000 anos atrás. Diferenças anatômicas marcantes demonstram claramente que se
trata de outra espécie – mas muitos estudiosos especulam se não teria se
misturado e sido absorvida pela dos homens modernos. A descoberta na Etiópia
mostra que as duas espécies foi simultânea e sem cruzamentos, em continentes
diferentes.
Ao validar a teoria do Adão e Eva africanos, o Homo sapiens idaltu dá peso às pesquisas
que usam a genética para encontrar as rotas de migração que deixaram a África.
Ao comparar os códigos genéticos de 1056 voluntários de 52 regiões do planeta,
o geneticista Marc Feldman, professor da Universidade Stanford, nos Estados
Unidos, encontrou diferenças tão pequenas que a única conclusão possível é a de
que toda a humanidade descende de uma população bem pequena. Cálculos
matemáticos levaram a 2000 pessoas que viviam na África há 70 000 anos.
Tratava-se provavelmente de sobreviventes de uma grande catástrofe natural que
por pouco não causou a extinção da espécie. “Ninguém sabe ao certo o que
aconteceu, se foi uma praga ou uma guinada climática que abalou o meio de vida
desse povo. O fato é que nossos genes registram esse encolhimento
populacional”, disse Feldman a VEJA. É um fenômeno que os especialistas em
evolução chamam de “gargalo de garrafa”. Ocorre quando uma população
relativamente grande é quase extinta e resulta em descendentes com pequena
variação genética. A consequência disso é que existe maior variabilidade
genética dentro de um bando de chimpanzés do que entre os 6 bilhões de seres
humanos. Adão ea africano e nós somos todos irmãos.
Fonte: Revista VEJA
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