Por Edson Hely Silva
Conta-se que quando Claude Levi-Strauss se
preparava para vir ao Brasil onde colaboraria na fundação da USP no início da
década de 1930, ele teria procurado o então Embaixador do Brasil na França. Ao
buscar informações sobre os índios, ouviu da autoridade diplomática brasileira,
que não mais existiam, teriam todos sido dizimados com a colonização. Se
Levi-Strauss tivesse acreditado no Embaixador, a Antropologia e as Ciências
Humanas e Sociais não herdariam a sua vastíssima obra sobre os povos nativos, a
significativa contribuição do reconhecidíssmo como um dos maiores ou senão o
maior antropólogo contemporâneo.
Onde estão os índios?! As dúvidas ou as respostas
negativas a essa pergunta ainda é ouvida da imensa maioria da população, e até
mesmo de pessoas mais esclarecidas. O pouco conhecimento generalizado sobre os
povos indígenas está associado basicamente à imagem do índio que é
tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico, com um biótipo
formado por características correspondentes aos indivíduos de povos habitantes
na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e
abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas
exóticas, etc.
Ou também são chamados de “tribos” a partir da
perspectiva etnocêntrica e evolucionista de uma suposta hierarquia de raças,
onde os índios ocupariam obviamente o último degrau. Ou ainda imortalizados
pela literatura romântica produzida no Século XIX, como nos livros de José de
Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou valentes guerreiros
e ameaçadores canibais, ou seja, bárbaros, bons selvagens ou heróis.
Mas, essas visões sobre os índios vêm mudando nos
últimos anos. E essa mudança ocorre em razão da visibilidade política
conquistada pelos próprios índios. As mobilizações dos povos indígenas em torno
das discussões e debates para a elaboração da Constituição em vigor aprovada em
1988 e as conquistas dos direitos indígenas fixados na Lei maior do país,
possibilitaram a garantia dos direitos (demarcação das terras, saúde e educação
diferenciadas e específicas, etc.), e que a sociedade em geral (re)descobrisse
os índios.
Além disso, a nossa sociedade, ainda como resultado
da organização e mobilizações dos movimentos sociais, se descobre plural,
repensa seu desenho: o Brasil não tem uma identidade nacional única! Somos um
país de muitos rostos, expressões culturais, étnicas, religiosas... As minorias
(maiorias), sejam mulheres, ciganos, pessoas negras, idosas, crianças,
portadoras de necessidades especiais reivindicam o reconhecimento e o respeito
de seus direitos! Um exemplo muito simples disso: é obrigatório em todos os
prédios públicos rampas de acesso para pessoas deficientes. E antes não existia
essa necessidade?! Sim, existia. Mas que hoje a sociedade reconhece esse
direito.
Os índios então conquistam o (re)conhecimento do
respeito a seus direitos específicos e diferenciados, a partir dessa ótica: um
país, a sociedade que se repensa, se vê em sua multiplicidade, pluralidade e
diversidades culturais, expressada também pelos povos indígenas em diferentes
contextos sociohistóricas. Embora esse reconhecimento exija também nos posturas
e medidas das autoridades governamentais em ouvir dos diferentes sujeitos
sociais a necessidade de novas políticas públicas que reconheça, respeite e
garanta essas diferenças.
Como por exemplo, na Educação, a formulação de
políticas educacionais inclusivas das histórias e expressões culturais no
currículo escolar, nas práticas pedagógicas. Essa exigência deve ser atendida,
com a contribuição de especialistas, a participação e envolvimentos plenos dos
próprios sujeitos sociais na formação de futuros/as docentes, na formação
continuada daqueles/as que atuam e fundamentalmente na produção de subsídios
didáticos em todos os níveis. Seja nas universidades, nas secretarias estaduais
e municipais. Só a partir disso é que deixaremos de tratar as diferenças
socioculturais como estranhas, exóticas e folclóricas. (Re)conhecendo em
definitivo os índios como povos indígenas, em seus direitos de expressões
próprias que podem contribuir decisivamente para a nossa sociedade, para todos
nós.
As mobilizações indígenas: novos olhares, pesquisas
e reflexões
Os povos indígenas conquistaram nas últimas décadas
considerável visibilidade enquanto atores sociais em nosso país. Mas, por outro
lado, é facilmente contestável o desconhecimento, os preconceitos, os equívocos
e as desinformações generalizadas sobre os índios, inclusive entre os
educadores. Essas duas situações aqui relatadas ilustram muito bem como os
preconceitos sobre os índios são expressos cotidianamente pelas pessoas. E o
mais grave: independe do lugar social e político que ocupem! O que dizer então
do universo das pessoas pouco letradas, do senso comum da população em nosso
país?
Sem dúvidas é no âmbito da escola/educação formal,
em seus vários níveis hierárquicos, que se pode constatar a ignorância que
resulta as distorções a respeito dos índios. A Lei nº. 11.645/08 de
março/2008 que tornou obrigatório o ensino sobre a história e culturas
indígenas nos currículos escolares no Brasil, ainda que careça de maiores
definições, objetivou a superação dessa lacuna na formação escolar.
Contribuindo para o reconhecimento e a inclusão das diferenças étnicas dos
povos indígenas, para se repensar em um novo desenho do Brasil em sua
diversidade e da pluralidade culturais.
Os desafios para implementação da Lei nº. 11.645/08
Para a implementação da Lei nº. 11.645/08 é preciso
ter claro os diferentes níveis de responsabilidades, bem como os desafios para
sua real efetivação. No âmbito federal o MEC tem uma tarefa extremamente
importante: apoiar a produção de subsídios didáticos destinados aos/as
educadores/as nas escolas públicas a níveis estaduais e municipais, de acordo
com as realidades distintas no país.
Ao Ministério Público Federal e nos Estados, cabe
fiscalizar a execução da implementação da Lei nas redes públicas e privadas de
ensino, inclusive nas faculdades, universidades e instituições congêneres que
atuam na formação de professores/as.
No nível das universidades públicas e privadas se
faz necessário à inclusão de cadeiras sobre a temática indígenas no âmbito das
Ciências Humanas e Sociais, bem como nos demais campos do conhecimento
acadêmico incluir a discussão dos saberes indígenas. A exemplo da área da
Matemática, onde podem ser discutidos os saberes matemáticos de povos
culturalmente distintos do pensamento hegemônico ocidental.
Caberá as secretarias estaduais e municipais de
educação disponibilizar, favorecer o acesso aos subsídios produzidos pelo MEC,
e ainda também produzirem materiais didáticos enfocando as realidades locais
dos povos indígenas. É de fundamental importância ainda capacitar os quadros
técnicos dessas instâncias governamentais, no âmbito do combate aos racismos
institucionais.
Ainda nas esferas governamentais locais se faz
necessário, com a participação dos indígenas, de especialistas reconhecidos/as,
a promoção de seminários, encontros de estudos, etc. sobre a temática indígena
para professores/as e demais trabalhadores/as na educação.
Algumas propostas e sugestões:
As universidades em suas instâncias competentes
devem acompanhar e fiscalizar a implementação da Lei nº. 11.645/08 no âmbito
dos currículos dos cursos de licenciatura oferecidos em seus campi. O que
significará a inclusão de cadeiras obrigatórias que tratem
especificamente da temática indígena, em cursos das áreas das Ciências Humanas
e Sociais.
As universidades devem estimular, apoiar e ainda
viabilizar os meios necessários para a participação efetiva do professorado,
alunos/as e técnicos em eventos acadêmicos que tratem da temática indígena.
Por meio de convênios com o MEC e as secretarias
estaduais e municipais, as universidades podem produzir materiais didáticos que
tratem da temática indígena a serem disponibilizados para o ensino público.
As secretarias estaduais e municipais devem incluir
a temática indígena nos estudos capacitações periódicas e formação continuada,
a ser abordada na perspectiva da pluralidade cultural historicamente existente
no Brasil e na sociedade em que vivemos: por meio de cursos, seminários,
encontros de estudos específicos e interdisciplinares destinados ao
professorado e demais trabalhadores/as em educação, com a participação de
indígenas e assessoria de especialistas reconhecidos. Assim como a adquirir
livros que tratem da temática indígena, destinados as bibliotecas escolares.
Essas secretarias podem favorecer o estimulo às
pesquisas, bem como estimular interessados/as em cursos de aprofundamento em
nível de pós-graduação.
No nível das citadas secretarias ainda, devem ser
promovidos estudos específicos para que o professorado na área das Ciências
Humanas e Suas Tecnologias possam conhecer os povos indígenas no Brasil,
possibilitando uma melhor abordagem ao tratar da temática indígena em sala de
aula, particularmente nos municípios onde atualmente habitam povos indígenas.
Intensificar a produção, com assessoria de
pesquisadores/as especialistas, de vídeos, cartilhas, subsídios didáticos sobre
os povos indígenas para serem utilizados em sala de aula. Proporcionar o acesso
a publicações: livros, periódicos, etc., como fonte de informação e pesquisa
sobre os povos indígenas.
Promover momentos de intercâmbios entre os povos
indígenas e os estudantes durante o calendário letivo, através de visitas previamente
preparadas do alunado às aldeias, bem como de indígenas às escolas. IMPORTANTE:
ação a ser desenvolvida principalmente nos municípios onde atualmente moram os
povos indígenas, como forma de buscar a superação dos preconceitos e as
discriminações.
Discutir e propor o apoio aos povos indígenas,
através do estímulo ao alunado, com a realização de abaixo-assinados, cartas às
autoridades com denúncias e exigências de providências para as violências
contra os povos indígenas, assassinatos de suas lideranças, etc. Estimulando
assim através de manifestações coletivas na sala de aula, o apoio às campanhas
de demarcação das terras e garantia dos direitos dos povos indígenas.
Enfim, promover sejam nos espaços das
universidades, das escolas ou nos demais espaços institucionais, ações pautadas
na perspectiva da compreensão diversidade sociocultural e dos direitos dos
povos indígenas, bem como do reconhecimento de que o Brasil é um país
pluricultural e pluriétnico.