Maximina
França – maximinafranca@gmail.com
Introdução
Considerando
que “A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a
substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.” (FREIRE,
1996); sabendo que “Muitas vezes, os professores não trabalham em suas aulas as
questões raciais por não saberem como fazê-lo de maneira segura e tranqüila.”
(MARTINS, 2006); e percebendo situações que envolvem preconceitos no cotidiano
escolar, inclusive o racial de uma forma muito evidente, tanto nas turmas que
atuava como professora, bem como nas escolas nas quais fazia acompanhamento
pedagógico, (enquanto componente da Gerência de 1º e 2º ciclos de uma rede
municipal de ensino), percebi a necessidade de intervir sobre essa realidade,
inclusive através da prática pedagógica, vivenciando junto aos estudantes
sequências didáticas que incluíam essa temática.
De
acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Étnico racial e Ensino de
História e Cultura Africana e Afro-brasileira (2004), as pedagogias de combate ao racismo e a discriminações
elaboradas com o objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm
como objetivo fortalecer entre os (notadamente) negros e despertar entre os (notadamente)
brancos a consciência negra. Entre as crianças, jovens e adultos com fenótipo
negro, essas pedagogias poderão oferecer conhecimentos e segurança para
orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que,
identifiquem as influências, as contribuições nas várias áreas de conhecimento ,
as participações e a importância da história e da cultura dos negros no seu
jeito de ser, viver e de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as
negras. Perceberão também que muito do que aprende na escola tem seus fundamentos
no Continente Africano.
Dessa forma, esses entre outros
argumentos justificam essa intervenção pedagógica, que pode contribuir para a
nossa reflexão sobre o trato que ainda se dá em sala de aula aos preconceitos individuais
e/ou coletivos que nos rodeiam. Este é
então o principal objetivo desta socialização de experiência.
Foi possível aos participantes fazerem
várias reflexões, das quais destacamos
duas: a primeira delas sobre a auto-identificação (quem sou e como me percebo?
Como percebo a minha cor e a daqueles que me cercam?) A outra é sobre a
presença da Matemática no cotidiano e no mundo
que o cerca, perpassando também por uma
reflexão sobre a função social do número.
Sugere-se
a realização do trabalho com a duração de cinco momentos distintos para a
conclusão da atividade. A seqüência aborda ainda discussões sobre diferenças e
semelhanças físicas, biológicas, étnicas, de gênero e de medidas existentes no corpo humano e tem como ponto de partida o
desenho do contorno da própria mão de cada um dos envolvidos. É a partir desse
contexto que é proposto aos estudantes fazerem comparações diante de alguns
questionamentos, como por exemplo: o que temos em comum? Quais as nossas semelhanças e diferenças? A partir desse
momento em pequenos grupos elencar as respostas, para serem socializadas
posteriormente, com os demais grupos, listando-as num grande painel.
DISCUSSÕES
Um dos momentos mais significativos da
atividade é o da pintura do desenho da mão, utilizando lápis de cera, com
combinação de cores que se assemelhem à da sua pele, que pode desencadear uma
discussão bastante ampla sobre raça e cor.
Outro momento destacado surgiu a partir
da análise da presença de elementos do corpo humano que eram ímpares ou pares,
contáveis ou incontáveis. Durante esse momento uma estudante comentou que “Se o
cabelo de alguém fosse bom”, seria possível contar os fios, mas se fosse
“ruim”, seria “impossível fazê-lo.” Essa colocação abriu a discussão sobre o
que chamamos “cabelo bom” e “cabelo ruim” e sobre os significados das palavras
“bom” e “ruim”.
Observamos que a discussão foi
válida por fazer emergir discussões sobre uma gama de preconceitos, que
geralmente a escola não considera na sua práxis cotidiana como uma das demandas
prioritárias a serem atendidas de forma sistemática e não pontual.
Constatamos também que, mesmo após todo
trabalho, houve estudantes que desenharam o contorno da mão, mas deixaram a
parte interna em branco. Esse e outros fatos indicaram que a experiência foi apenas
o princípio dos muitos momentos que precisamos compartilhar
e discutir com toda comunidade escolar, sobre essa
temática ainda tão polêmica. Contudo, o excelente nível de envolvimento das
turmas, professoras e professores denotou as “boas vindas” à temática, sobre a
qual a família, a escola e a sociedade precisam refletir.
Metodologia
Esta
sequência didática foi sugerida para que os professores junto com os estudantes
possam:
·
Ampliar as suas relações intrapessoais
e interpessoais;
·
Auxiliar no fortalecimento da auto-identificação
pessoal e étnica;
·
Fortalecer o respeito às
singularidades;
·
Tratar de forma interdisciplinar
questões relacionadas aos temas transversais;
Esta sequência didática pode ser também
realizada pelo(a) professor(a) na sala de aula das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, e tem duração média de uma semana.
1º
Momento
Material
necessário: lápis comum, papel ofício (A4), canetas hidrográficas (de ponta grossa preta).
Procedimento:
O professor junto com os estudantes:
trabalhando em duplas, distribuir as folhas de papel A4 para cada um deles e
solicitar que nele desenhem o contorno de sua mão com a palma sobre o papel, o
mais aberta possível, utilizando o lápis comum cobrindo, em seguida, esse
contorno com a caneta hidrográfica.
Solicitar que observem e desenhem os
detalhes da sua mão, percebendo as semelhanças e as diferenças entre a sua e a
do colega. E nesse momento destacar junto aos estudantes as singularidades das
mãos de cada um.
Pedir que cada estudante escreva de forma legível,
abaixo do polegar, cada estudante seu respectivo nome (como gostam de ser
chamados).
2º
Momento
Material
Necessário: As atividades e materiais da aula anterior
Procedimento:
Distribuir as
produções e pedir que os estudantes escrevam dentro do desenho do contorno da
mão, feito na aula anterior:
1. No dedo mínimo, o
numeral correspondente à quantidade de letras do seu nome, já escrito na aula
anterior, abaixo do polegar.
2. No dedo anelar, o
numeral correspondente à quantidade de pessoas que são mais importantes na
atualidade para cada um.
3. No dedo médio, registrar o número do sapato.
4. No dedo indicador,
registrar o número da casa onde vivem (caso a residência não possua número
poderá ser proposto aos estudantes que escrevam o numeral correspondente ao
número de pessoas que moram com ele).
5. No polegar, registrar
o numeral correspondente à quantidade de dentes da boca (se usar dentadura
esses dentes também devem ser considerados).
6. Com o auxílio de uma régua registrar a medida do
palmo e a medida do pé, verificando se a medida encontrada em centímetros
corresponde ao número que ele calça.
Nesse momento se faz necessária a
discussão sobre a função social dos números (números são utilizados para quê?)
3º
Momento
OBS.: É importante lembrar que essa atividade poderá envolver o tema transversal:
Educação Sexual e, para evitar problemas relacionados ao trato dos pais com o
tema, deve-se antes comunicá-los sobre a obrigatoriedade do trato do tema
transversal, destacada nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Feita previamente
essa reunião informativa com os pais pode-se discutir a nomenclatura científica
dado a cada parte do nosso corpo.
Pedir que tateiem com a ponta do dedo
indicador a sua própria boca observando os seus detalhes, suas diferenças em
relação aos colegas de turma,e em seguida desenhá-la. (Aproveitar o momento
para tratar do significado da palavra ímpar – enquanto único, sem par) e junto
com o grupo registrar o que em nosso corpo é único, escrevendo o numeral 1 ao
redor da boca desenhada sempre que identificarem cada uma dessas partes.
Solicitar que os participantes observem
o colega do lado, seu rosto, suas características e prestem bastante atenção
nos olhos para que oralmente descrevam o que estão vendo dentro dos olhos do
colega. Depois das colocações de todos, falar sobre as partes que compõem o
olho, e desenhar no meio da mão contornada no papel a pupila. Discutir sobre a
cor da pupila relacionando a igualdade (tendo em vista que todos os seres
humanos dotados de visão possuem pupila preta). Enfatizar que mesmo aquelas
pessoas que tem a íris negra, possuem também a pupila dessa cor, mesmo havendo
dificuldade de visualizá-la. Perguntar quantas pupilas existem em cada um de
nós. Aproveitar para discutir o conceito de PAR. (O que é um par?) Perceber
elementos pares do corpo humano registrando ao redor da pupila desenhada um
numeral 2 para cada elemento mencionado.
4º
Momento
Pintura das mãos desenhadas utilizando
lápis de cera, representando as cores das substâncias que compõem a cor da
nossa pele. Para representar o caroteno (substancia alaranjada) utilizar o
lápis de cor laranja, representando a melanina (substancia escura) utilizar o
lápis de cor marrom e, para representar o sangue, utilizar o lápis vermelho.
Solicitar aos participantes que, dosando as três cores, busquem encontrar a
tonalidade mais próxima da sua pele, tendo como referência a parte oposta da
palma da mão.
5º
Momento
Construção de texto coletivo sobre as
mãos, raças e cores.
6º
Momento
Montagem de painel com as mãos de todos
os participantes, juntamente com o texto coletivo criado pelo grupo.
CONCLUSÃO
Foi muito gratificante estarmos
discutindo também os preconceitos de gênero e a Educação Sexual; o preconceito
embutido nas palavras, quando se relaciona a palavra preto ou negro ao que é
ruim, como, por exemplo: “A coisa está preta!”. Sugerimos então o emprego
dessas palavras, relacionando-as a algo bom, usando neste momento o texto
“Negra”, que se encontra disponível no acervo do blog.
Todo trabalho contou com a participação
das professoras das respectivas turmas, não apenas observando, mas realizando
também. Concluímos o trabalho com a construção de um texto coletivo sobre o que
aprendemos com aquele trabalho e uma exposição com todos os desenhos de todas
as mãos feitas por eles e elas.
Resultados
observados
- Melhoria
da relação interpessoal dos estudantes, denotada através de respeito às
diferenças;
- Elevação
da auto-estima dos estudantes de fenótipo negro;
- Decrescimento
do grau de violência verbal ( apelidos ofensivos e piadas preconceituosas)
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, MEC – SECADI.
Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares para a Educação Étnico-Racial e o Ensino de História e Cultura
Africana e Afro-brasileira. MEC. 2008.
BRASIL, MEC. Diretrizes Curriculares para a Educação Étnico-Racial
e o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira. MEC.2004. <Disponível
em: http://www.sinpro.org.br/arquivos/afro/diretrizes_relacoes_etnico-raciais.pdf
acessado em 12/05/2012>
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido.
MUNANGA, Kabenguelê(Org.) Superando o racismo na escola. Brasília: ministério da educação, Secretaria
de Educação Fundamental, 2001;
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se Negro, Rio de Janeiro: Graal,
2ª Edição, 1990.